domingo, 18 de abril de 2010

"“A Montanha Sagrada” – Imersão surrealista num mundo paralelo" por Larissa Augusta Vasconcelos Cavalcanti



A “Montanha Sagrada” (“The Holy Mountain”, 1973) é um filme que não pode ser analisado sem mencionar o contexto que o circundava durante sua produção. No caso, o movimento de contracultura hippie, que pregava principalmente a paz e o prazer livre (fisicamente, sexualmente e intelectualmente). Esse contexto vai explicar parcialmente a grande aceitação da obra nos circuitos underground dos EUA, pois o filme é mais do que uma narrativa audiovisual, é uma viagem surreal ao mundo do excêntrico diretor chileno, Alejandro Jodorowsky.

A ideologia da subversão do pensamento estritamente lógico através do uso de drogas e outros métodos utilizados por hippies na década de 60 e 70 é o principal fator dessa ligação entre o filme e o movimento citado. “A Montanha Sagrada” é para ser captado pelo espírito, disse em entrevista o diretor. De certo, o filme é um complexo quebra-cabeça de símbolos religiosos, históricos, místicos e tantos outros, que fica impossível captá-lo inteiramente usando a racionalidade. Não é essa a proposta. Apesar de que, em vários trechos do longa é uma tarefa difícil não tentar decifrar os inúmeros códigos e apenas consumi-los sensorial e espiritualmente. Porém, é interessante verificar a utilização dos vários símbolos durante as quase duas horas de filme. Interessante, mas não necessário.

O filme é dividido basicamente em duas partes: uma onde somos apresentados ao protagonista, um homem inocente e comum, vivendo em uma grande cidade, início onde ainda é possível se fazer digressões racionais; já a segunda parte começa quando esse homem, com a aparência do Jesus Cristo católico, sobe na torre de um mago e começa a participar de rituais alquimistas junto de um grupo, ritos estes com objetivo o desligamento das coisas mundanas para alcançar o topo da Montanha Sagrada e substituir os deuses imortais que dominam o mundo, parte evidentemente mais psicodélica e misteriosa.

A obra tem como características fortes as cenas marcantes e, muitas vezes, ofensivas para a maioria das pessoas, traço peculiar de Jodorowsky. A sequência inicial funciona quase como um prenúncio do universo mítico no qual o espectador está prestes a entrar. Minutos depois várias cenas de cunho religioso aparecem, tendo destaque a que várias pessoas carregam em procissão animais degolados e crucificados, os venerando. Uma possível manifestação do diretor contra a religião como instituição, o que a torna um mero produto humano criado sem valores transcendentais. Outro seguimento interessante é o que mostra os turistas vestidos com trajes típicos do México e que tiram foto de tudo. Tudo mesmo, até de um estupro (feito contra uma turista por um militar!) e de uma execução em massa. Cenas que retratam em parte uma visão sádica dos estrangeiros acerca da América Latina, vista como um mero produto da sua colonização. Além dessas, outras sequências como a da luta entre lagartos (astecas pagãos) e sapos (espanhóis católicos) num circo onde todos saem perdendo após uma sangrenta explosão (bizarra, mas interessantíssima visão da guerra) e uma onde um senhor entrega seu olho para uma jovem prostituta, exemplificam o grande conhecimento místico do diretor multi-artista (Jodorowsky é cineasta, roteirista de HQ, mímico e poeta).

Apesar de todo o excesso de sangue, de nudez, de mistério, do sobrenatural e de outras características, o filme consegue surpreender ainda mais no final, numa afirmação literal da não-realidade buscada pelo diretor, conclusão que decepciona muitas mentes majoritariamente racionais. Consagrando imagens fortíssimas em película, “A Montanha Sagrada” é um conjunto de delírios de um criativo chileno que buscava, através de suas obras, proporcionar mais do que uma experiência cinematográfica, e sim uma viagem espiritual, onde as perguntas são mais importantes do que as respostas e a obra entra em conexão direta com o inconsciente.

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